quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Uma Crônica Breve

Rotina e Acomodação: Causas, Consequências e Alternativas

Acordo à mesma hora. Levanto do mesmo lado da cama e calço as sandálias, na mesma ordem. Ainda com a visão nublada, começo a recobrar a programação que me aguarda. Nada muito diferente de ontem. Nada tão diferente do ano passado. Assim mesmo, a expectativa das próximas horas retoma uma ponta de descontentamento. Se a semana acaba de começar, penso "mais um dia", mas se o fim de semana se aproxima, pondero "menos um dia".

Se alguém puxa um assunto que me obrigue a pensar, me falta paciência para prestar atenção. Já penso demais no trabalho, aliás não sou reconhecido por isso. Quando vem à cabeça uma boa idéia; uma alternativa para abrir um negócio e trabalhar com aquilo que sempre quis, o coração, na hora, acelera: Bem que poderia dar certo! Mas logo passa. Não tenho o capital para investir, nem tempo pra pensar nisso, não posso arriscar, vai que não dê certo.

Preciso mesmo é de um bom emprego. Preciso de um emprego com estabilidade, um cargo público, com 14º salário e plano de carreira e premiações.  Assim é que deve ser.  É o que todo mundo deseja. Alías, quanta competição! Todos perseguindo os mesmo prêmios. Melhor não sonhar. Boa mesmo é essa vida que a gente pode levar. Pra ficar um pouco melhor, só falta trocar esse carro, alcançar a estabilidade e ter mais tempo pra mim.

É assim que se cai na rotina...

A frustração por não ter alcançado as realizações sugeridas por nosso tempo, provoca diferentes reações no indivíduo, alguns aderem a correria e sofrem de ansiedade, outros se põe na defesa e preferem a acomodação, através dos impositivos da rotina. É o tempo do Homer Simpson e do Al Bundy, vendedor de sapatos do seriado "Married... with Children" (Um Amor de Família - no Brasil). É figura do "perdedor" que abandona qualquer perspectiva de melhoria e chega a fingir que gosta da rotina.

Com medo de fracassar, estabelece poucos e corriqueiros objetivos. Por consequência, perde o entusiasmo e a vontade de viver. Para extravasar a tensão, faz uso dos mesmos meios: experiências extravagantes, bebida, internet, TV e sexo, etc. A neurose que desenvolve nos rituais e os excessos que comete como válvula de escape acabam por desenvolver doenças na mente e no corpo, das enfermidades físicas às morais.

A possibilidade de deixar para trás a rotina é lançar-se a novos ideais de amadurecimento das emoções e sensações. Voltar o olhar para os outros, suas necessidades e as batalhas permite que o homem extrapole as barreiras do seu mundinho. Quando procura e aproveita as oportunidades de ser útil, descobre motivos de sobra para preservar a vida, pois nota o valor de seu trabalho e de si próprio. Com vontade de viver, melhora os seus hábitos e sua paisagem mental. É assim que se descobre o quanto é reconfortante a convivência pacífica e, rebaixam-se os valores materiais ao plano secundário. Para que sirvam ao homem em vez de submetê-lo.

A criatura humana precisa estar acima das exigências do instinto e das pequenas realizações oferecidas pelo mercado. Só assim pode viver de maneira saudável, levando em conta as necessidades e potenciais do ser integral.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Uma Pequena Crônica Narrativa: Dor de cabeça é muito engraçado

As rotineiras viagens de ida ao trabalho e volta ao lar são verdadeiros testes de paciência e criatividade. Eu, que não fujo desse desafio, adoto alguns artifícios para amenizar essa tarefa que, por vezes, aborrece mais do que o próprio ofício. Um dos truques é aproveitar o tempo para ler, ouvir músicas e audio-books, planejar ações para o que não encontramos ocasião e quando possível, dormir. Outro artifício é alternar o itinerário e os meios de transportes: algumas vezes eu dirijo, outras o motorista do coletivo é quem se preocupe. Revezo entre dois ônibus, o metrô e um ônibus, ou ainda, um ônibus e uma barca. O certo é que a alternativa escolhida, normalmente, é a que me toma mais tempo. Mesmo assim, não mudo a receita.

Foi numa dessas escolhas equivocadas, que me animei pensando em cerrar as pálpebras no retorno ao lar. Escolhi o ônibus, que além de tudo, tem uma parada mais próxima do local onde trabalho. Um desses a que chamam de 'tarifa' (a diferença do preço explica), ou o popular “frescão”. Antes de subir, estiquei os pés e espiei pelas janelas. Não havia ninguém de pé. - Que alegria! pensei. Ao embarcar, notei que tinha conquistado um privilégio. O primeiro a não encontrar um acento disponível. Tivesse visto antes, talvez pensasse em descer, esperar o próximo. Mas a tarifa já havia sido entregue ao motorista, que inclusive também era o cobrador (e eu pensando que acumulava funções no meu trabalho).

Escolha já feita. Restava buscar a melhor maneira de enfrentar as prováveis duas horas de viagem, em cima das canelas, entre trancos, buzinas e reclamações dos outros passageiros. Encostei a cintura na lateral de um dos bancos, saquei da mochila um livro com uma das mãos e uma pêra com a outra. Depois da fruta um chocolate. Como foi que me equilibrei sem as mãos? Nós os passageiros das conduções lotadas desenvolvemos técnicas de dar inveja aos surfistas.

Alguns minutos depois do embarque, já podia contar dezenas de olhos fechados e bocas escancaradas. Lembrei-me do trecho de uma bonita música que diz "estou acordado e todos dormem, todos dormem, todos dormem...". Mas algo havia de quebrar o silêncio. O colega de odisséia, que estava no banco a minha frente, deixou escapar um gemido que quase fez estremecer as janelas do veículo. Era um ronco estridente e acidentado. Com grande variação de altura e textura. Um dos passageiros do banco logo à frente, reconheceu o sonoplasta e cutucou o colega ao lado. Rapidamente os demais despertaram do sono e como que dividissem uma boa nova, todos se entreolhavam e riam, alguns gargalhavam de maneira quase tão expressiva quanto a do ronco. Enquanto o sujeito indefeso dormia. No início, respondi aos olhares para mim lançados, com um sorriso apático de condescendência, essa expressão de pamonha que a gente adota nos primeiros instantes, talvez por falta de inclinação para uma postura de mais personalidade.

Começou a mostrar-se a criatividade humana. Ouviam-se cochichos que diziam "acorda o Shrek", "furou o cano de descarga", "tem um porco no viva-voz", "queria um trator desse no dia da tempestade no Rio", "me empresta uma meia para obstruir a passagem?" e daí pra mais.

Tudo isso seria engraçado se não levássemos em conta que o ronco indica um problema de saúde. Dificulta relacionamentos e frustra noites de sonos, o que por sua vez atrapalha o rendimento no trabalho e aumenta irritabilidade. O ronco pode ainda ser um sintoma de um problema bem maior como desvio de septo, rinite ou mesmo um tumor. Nesse ponto, acabou a graça.

Não vamos cair na besteira de condenar a boa filosofia dos sorrisos e do bom humor. Se no lugar do "alvo" nós pudermos rir também, a atitude é aceitável. A velha fórmula do "rir com o outro, não do outro". Afinal, se uma forte pancada não tem graça, uma doença, não importa a gravidade, não tem graça, nem mesmo uma leve dor de cabeça tem graça, por que é que um tombo, ou um problema respiratório externado pelo ronco teriam graça?

Nem preciso, mas na sessão "eu confesso", digo que também já achei e, as vezes, ainda acho graça. O convite que deixo é a tentativa de educar nosso comportamento, para uma atitude que leve mais em conta a dificuldade do "outro", do "irmão", ou do "próximo", como preferirem. Num caso como esse, tentar suportar sem alarde e troça, já é um esforço pela caridade. Problemas de planejamento a parte, o caos do trânsito é também o reflexo da ausência dessa educação. Dezenas de motoristas solitários lançam seus veículos na frente de coletivos nos quais 50 passageiros se acotovelam. Outros usam o acostamento para sair de trás de um veículo e parar justo na frente do mesmo carro. Uma ultrapassagem que garantiu um ou dois segundos a mais para o apressado, mas que poderia significar mais 30 minutos de retenção, no caso de uma colisão.

Esse esforço de paciência necessário não foi a resposta da passageira que viajava ao lado do homem que roncava. Ela pediu licença, despertando o sujeito do sono e levantou-se. Eu é que não posso me queixar. Agradecido, pude me sentar e dormir também. Não tenho histórico, mas se ronquei, o meu companheiro de banco foi mais caridoso comigo.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Feliz 2010!

      A passagem de um ano para o outro pode parecer mera convenção. Ainda mais se forem consideradas as agravantes do horário de verão, das diferenças de fuso horário e das distinções culturais.


      É claro, se o que existisse de especial fosse o instante de tempo, ele não poderia dar-se em momento distinto para diferentes partes do mundo. No entanto, é preciso que se dê por conta que cada coisa tem o valor que damos a ela. Não obstante, você pode exaltar e valorar o teu momento, encontrar nele a renovação de esperanças e forças de que precisa, ou apenas trocar o calendário grudado na geladeira.

      Neste momento de reflexão e recarga, deitamos sobre o mundo nossas vibrações, sejam virtuosas ou viciosas, tênues ou intransponíveis. Não se trata de um instante único para o encontro de novas perspectivas, mas inegavelmente de uma grande oportunidade para esse fim.

      Lembremo-nos sempre de desejar o bem, não a quem achamos que merece, e sim a quem notamos que precisa. E nessa segunda categoria, sabemos, todos nós estamos. Se alguém faz algo que te parece bom, recebe as boas energias do teu reconhecimento. Por outro lado, se faz algo que pareça equivocado, que possa receber as boas energias da tua compreensão.

      Desejo a todos um ano repleto de boas aspirações, perseverança e reforma íntima.

      Feliz 2010!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Uma Crônica Pronta: O guarda-chuva

Uma crônica de gaveta para lembrarmos da importância de nossos pensamentos. "Boa leitura!".

Era um senhor um tanto reservado, solteiro, com ingresso comprado para embarcar na melhor idade (cá entre nós, a melhor idade costuma ser aquela que a gente não tem no momento). Vizinho por pura arbitrariedade territorial e figura conhecida pela simpatia de dar inveja aos retirados. Todos os dias passava por mim, e sem mudar de expressão levantava a voz como quem tinha que levantar uma tonelada e deixava escapar dos lábios algo parecido com um “ooopa”, seguido de uma embromação, que não era exatamente o meu nome, nem o de nenhum dos cumprimentados pelo vizinho.

Ocorreu foi que um dia, algo que não estava lá antes entrou em cena, durante os passos que precederam o encontro, parecia que alguma coisa daria ao vizinho a chance de cruzar o meu caminho sem o ardor da saudação. Chovia, avistei de longe o cidadão que vinha em minha direção. Ele trazia na mão algo que seria naquele dia mais que o abrigo da chuva, era uma espécie de livre-arbítrio em versão estampada e automática. Ao passo que ele chegava mais perto, o seu amigo guarda-chuva descia mais. No início cobria os olhos, depois continuou descendo, até que cruzou o meu caminho com o rosto coberto. Sim, ele estava livre da perturbação momentânea que antecede a simples decisão de cumprimentar ou não àquele que vem em sua direção.


Resolvi lançar mão de todos os “ooopa’s” recebidos antes. Pensei: - então eram todos de veneta, um árduo dever criado por uma ética imaginária de vizinho. Com mais calma, voltei atrás, pensando bem, lembro-me de ter sofrido a angústia da dúvida quando vinha lá de longe aquele conhecido, que nem era tão conhecido assim, a partir daí você só têm alguns poucos segundos para decidir, falo ou não falo? Quando o sujeito se aproxima, te lança aquele olhar que se por acaso coincidir com o momento em que você está olhando, existem grandes chances de ter ali um cumprimento, se não, é necessária muita bravura de um dos envolvidos pra não dar a vitória ao “eremitismo”. Ainda dizem que o “homem é um animal social”.


Pensemos então: quantos de nós pensam no "bom dia" antes de lançá-lo àquele que vai em direção oposta? A ciência avançou no sentido de perceber o quanto os nossos pensamentos implicam em nosso organismo. Já descobrimos que a atividade cerebral gera impulsos de energia, de maneira que transmutamos fluidos magnéticos, da mesma forma que processamos o ar respirado. Será que vamos persistir na analogia e lançar no ar apenas gás carbônico?

É uma grande mudança de perspectiva notar que o “boa tarde”, o “bons sonhos”, o "boa leitura" e, principalmente, o “boa prova” podem ser promovidos de votos a ações efetivas. Isso quer dizer que deixamos de desejar e passamos a interferir. É claro, o salmão não passou a migrar para a água doce na época da reprodução depois da descoberta dos pesquisadores. Já o faziam antes, e nosso pensamento também. A nossa intuição não nos deixa duvidar. Quantas vezes deixamos escapar um “tomara que caia” quando um apressado esbarra em nosso ombro, ou pensamos alto um “vai errar” quando o jogador do outro time vai cobrar o pênalti? Na mão inversa, podemos usar o nosso pensamento de maneira positiva, impregnar o nosso ar com vibrações positivas. O cumprimento deve então ser promovido de simples ritual para ação invisível. A fala é a materialização, imagem sonora, representativa da nossa vontade.

Pois bem, nadamos no mar de nossos próprios pensamentos e podemos nos dar conta que cuidar do meio ambiente quer dizer começar por nossa atividade mental. Por falar em água, esqueci o vizinho lá na chuva. E se eu passar por ele amanhã? Devo iniciar ou retribuir o “ooopa”? Por hora posso deixar a decisão de lado, afinal de contas, o tempo ainda não mudou e pra todos os efeitos ele, o guarda-chuva, estará conosco mais uma vez.

domingo, 20 de setembro de 2009

Sem ética pode haver progresso?

A ética orienta e solidifica o progresso. Ao longo dos anos, a humanidade tem se dedicado à busca de mecanismos e processos capazes de explicar suas origens, gerar longevidade e melhoria na qualidade de vida. Nesses pilares está apoiada grande parte da motivação das ciências desenvolvidas pelo homem. A evolução conquistada através de mudanças nas práticas e ideologias do passado e do presente caracteriza o progresso, mesmo que situado em diferentes campos de pensamento.
O momento que antecede a ação capaz de modificar ou conservar os métodos em uso pode ser decisivo para que esta traga bons resultados. Nesse sentido, a ética atua como reflexão necessária para analisar a eficiência e as implicações dos atos planejados para alcançar o progresso. O exercício da ética se faz presente, quando as idéias de um indivíduo entram em contato com o ambiente externo e com os códigos morais que o norteiam. A ação será ética desde que seja resultado de alguma meditação e, leve em conta o interesse social em detrimento do benefício particular. A transformação social concebida sem o amparo da ética pode levar a resultados distintos, que não logrem necessariamente o progresso. As mudanças que atendem a pleitos específicos e a grupos restritos, por vezes, são responsáveis pelo acirramento de diferenças étnicas e pelo aumento da desigualdade social.
É preciso considerar, no entanto, que a complexidade inerente à sociedade, pode fazer com que políticas criadas para representar as necessidades de um determinado grupo, tomem maior proporção e tragam benefício em maior escala. Para esta constatação, basta considerar as práticas que envolvem um sistema social como o capitalismo, baseado na economia de mercado e na produção privada. Por vezes, a função do governo é voltada para garantia de um ambiente propício para atrair investidores, que por sua vez tem no lucro seu principal objetivo. O escopo das ciências e atividades humanas tende a se deslocar do ideal de progresso social, para finalidades mais imediatas. Contudo, por mais que se queira traçar uma análise pessimista deste cenário, é necessário que se leve em consideração a evolução alcançada por iniciativas particulares. Um exemplo disso pode ser retirado da primeira metade do século XIX, quando foi construída a primeira estrada de ferro do mundo ligando as cidades de Manchester e Liverpool na Inglaterra. O empreendimento gerou conflitos e desapropriações, nesta primeira empreitada e em vários lugares onde o projeto foi repetido, houve violência e autoritarismo. Apesar de não contemplar todo o ambiente social, não se pode negar o progresso conquistado através de um interesse específico.
É imperativo, no entanto, que a evolução seja fruto de um planejamento igualitário e não uma remota conseqüência. No Brasil a representação dos interesses sociais aponta para uma democracia que se ergue sobre uma sociedade segregada e com proporções díspares de direito a fala. Negligenciar as necessidades de qualquer uma das parcelas da população pode trazer efeitos colaterais que afetam negativamente a auto-estima do povo, uma vez que diminui a perspectiva de melhoria e a credibilidade para com seus representantes.
Para que se possa almejar o progresso efetivo e durável, de modo a evitar as contrapartidas das ações que atendem a interesses particulares, é indispensável o exercício da ética, capaz de orientar e projetar a repercussão de um ato no momento que o antecede. O bem comum contemplado pela ética é o caminho para que o progresso seja o objetivo e não uma entre tantas conseqüências possíveis.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Uma pequena crônica: Por uma laranja com as duas metades.

Crônica: A metade da laranja, o pedaço que faltava em mim, o ar que eu respiro, a luz da minha vida, a razão do meu existir...

Sempre tive um pé atrás com a prática humana de atribuir ao relacionamento com o parceiro a razão da própria vida e o motivo primeiro de felicidade. Não creio que exista um ser com um pedaço faltando e que estará completo ao ser acoplado num outro. A isto, no máximo, chamaríamos transplante, amor... jamais. Pois bem, um pé atrás e outro na frente sugere movimento, uma caminhada, então vamos em frente. Que sensação trás declarações como "Você é a pessoa que vai me fazer feliz!", ou "Eu, sem você não vivo!", vamos tentar ainda "Quero você ao meu lado por toda a eternidade!". Talvez eu não seja um bom parâmetro, mas falas como estas me assustam mais do que entusiasmam. A obrigação de prover a felicidade do outro não nos cabe, mesmo que queiramos dedicar nossa vida a este feito. Já o fardo da eternidade, por vezes, nos faz esquecer de algo muito importante: a escolha. Vivemos ao lado de alguém por decisão, não importa o que motiva esta decisão, a escolha é nossa. Lembrando disso, reclamaríamos menos da nossa sorte.

Pensando nisso, impliquei por um bom tempo com clichês musicais, por exemplo, que repetem as mesmas falas de maneira tão sem critério que não percebemos quão defasadas estão certas mensagens. Falamos em estrelas, mas quase não olhamos pro céu, morando nos grandes centros urbanos. Falamos de cartas, mas dificilmente recebemos pelos Correios algo que não seja faturas e propostas de cartões de crédito. Chegamos a comparar certos olhos com a cor do mar, atualmente, acho bom precisar a que praia nos referimos, pois a poluição compõe uma verdadeira cartela de cores, dos saudosos azuis e verdes ao recente e mais comum marrom.

Passada a preocupação da responsabilidade penosa e eterna, assim como a da simples repetição dos clichês, acho mais fácil entender a importância do relacionamento com o outro. Naturalizamos com o tempo a tendência de olhar apenas para o próprio umbigo, de pensar tão somente nas nossas necessidades, desejos e sonhos. O nosso egoísmo tão recorrente e prejudicial à vida em sociedade só pode ser combatido com o olhar para o outro e quantos de nós conseguem fazer isso sem o encantamento da paixão que pode se transformar em amor? Pouquíssimos. O caminho mais viável para o nosso crescimento ainda é o relacionamento a dois, a vontade de conviver e compartilhar momentos. Assim, muitos de nós aprendemos a abrir mão, tolerar, compreender e aceitar. Consideramos alguém além de nós no momento em que tomamos uma decisão e descobrimos no sorriso do outro um verdadeiro motivo para festejar. A vida com o(a) companheiro(a) nos ensina muito sobre a servidão. Descobrimos o prazer de estender a mão e, sobretudo, que a verdadeira recompensa da doação está no próprio gesto de doar. Pensar que recebemos retorno pelo que doamos não quer dizer dar um para receber dois, isso é um investimento, uma excelente caderneta de poupança. Antes disso, quer dizer dar um para que não falte ao outro. O amor, portanto, é completo em si próprio, não pressupõe retorno ou reconhecimento. Assim, ao lado daqueles a quem ESCOLHEMOS, quem sabe não encontremos o verdadeiro AMOR.

Por que não lançamos uma nova proposta? Podemos falar de como a convivência, de fato, afeta o nosso dia-a-dia. Pensar nos acontecimentos reais e no que já aprendemos e podemos aprender com eles. Uma exagerada expressão ainda nos cai bem sim, desde que seja verdadeira em essência.
Desejo a todos um feliz Dia dos Namorados e que os sentimentos revelados sejam o nosso presente.

Escrito com a aceleração habitual, expresso como a internet, perdoem os erros.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Um ponto de partida para os nossos problemas; ou Do egoísmo a caridade

Estas primeiras linhas cumprem a tentativa de contribuir para a formação de um contexto filosófico, antes de lançar mão dos contextos sociais examinados por ele. Expresso e sem muitos cuidados, no molde das produções aceleradas de nosso tempo. Assim vai:

Muitas das sensações as quais chamamos maravilhosas surgem de um gesto simples, recorrente, mas não tão corriqueiro: olhar para o outro. A arte em expressões variadas deixa um legado cada vez maior de imagens, canções e poesias - sem citar todas as possibilidades artísticas - que resultaram desta simples iniciativa de reconhecer no outro motivos de alegria e contemplação. Mas o que parece ser tão natural, se contrapõe com uma chaga que concentra a origem de um amplo repertório de vícios e misérias humanas. O egoísmo, derivação de um orgulho obscuro e tirano, pode ser colocado no centro de tantos problemas de ordem moral, social e econômica.

Mesmo que partamos de uma necessidade de sobrevivência e conservação, pura e simples, teremos de admitir em algum momento que as ações que obedecem a este propósito têm o próprio agente no centro da questão. Algo feito por ele, para ele. Uma vez que as necessidades básicas deixam de ser um problema, a satisfação pessoal imediata é o motor de muitas das ações da humanidade na Terra.

Saídos do barro (matéria) e constituídos de barro (matéria) buscam recursos materiais que possam satisfazer estes desejos. Aliás, a busca por algo que, supostamente, se precisa é tão constante que torna cada vez mais tênue a linha entre a necessidade e o desejo. Estes últimos são cada vez mais numerosos e, aparentemente, alcançáveis pelo esforço. Se não puder alcançar tal objetivo, procure um do tamanho do teu bolso.

A partir daí, não é difícil imaginar uma vida pautada por objetivos imediatos e consumistas. Dirigida pela criação de sensações que são produzidas por fatos ou valores simbólicos atrelados a eventos e produtos. Isto porque, hoje, não é só o que o indivíduo tem que parece representá-lo, o que ele faz tem um valor, aparentemente calculado pela efemeridade do evento. Não é por acaso que a fotografia digital e o compartilhamento de imagens ganham cada vez mais espaço na internet. Fazer, não parece tão importante quanto mostrar o que fez. Um exemplo claro e comum é o registro de imagem em vídeos por parte do espectador de um show, que só vai assistí-lo, de fato, através da gravação. Assim como fazem alguns dos atletas, que em plena Olimpíada, quando da abertura dos jogos, registram pelas lentes artificiais, o momento que as lentes oculares nunca mais poderão ver, sem mediação.

Um dos problemas desse quadro é que as sensações são consumidas, mas insaciáveis, ao contrário das necessidades que têm fim, ao menos momentâneo. Não é preciso destrinchar detalhadamente o discurso publicitário para desencadear de maneira lógica a relação de causa e efeito desse cenário. Se a satisfação pessoal está no centro de cada atenção, a busca se torna individual e fica cada vez mais distante o olhar para o outro. O próprio sistema social capitalista encontra nesta corrida - na qual parece vencer os mais espertos - a força de que precisa para sua sustentação. Assim, são raras as atitudes éticas quando a sentença básica é o interesse próprio. De modo que, se possível fosse notificar a todos, conseguiríamos mapear a origem, trajeto e desdobramento de cada disputa e surgimento de desigualdades. Estas, perceptivelmente criadas por uma ação antiética legitimada (e não legítima), que dão origem a outras ações antiéticas não legitimadas, como o crime. Uma conseqüência talvez pior que os conflitos é a estagnação de idéias e reflexões úteis ao crescimento humano, uma vez que se distanciam as questões importantes, em detrimento do consumo de bens materiais e de sensações cada vez mais efêmeras.Num cenário como esse, o altruísmo sozinho não reúne o que é necessário para uma mudança. Olhar para o outro é um passo, aceitá-lo, um passo bem maior, agir em consideração e em benefício do outro é mais do que um passo, será o salto da humanidade para um mundo melhor.